Efêmero

Tudo um dia vai morrer. E eu com isso?

Nas ultimas semanas fui na onda de quem está empolgado há cinco anos para o lançamento de um jogo e em algumas dezenas de horas conclui Death Stranding, um jogo de Hideo Kojima e que esperei mais ou menos cinco anos para ter em mãos. É difícil descrever a história que esse jogo transmite durante suas quase 50 horas de jogo, 10 delas sendo compostas de cenas magnificas e interpretações marcantes (meus elogios para o trabalho incrível de Mads Mikkelsen e Lindsay Wagner, além de todos os outros).

Mas não venho aqui falar sobre a narrativa de forma descritiva. Meu texto é voltado para as premissas da história, seu desenvolvimento e os pensamentos que surgiram após o término dessa história.

Contêm spoilers, mesmo que poucos.

O jogo, durante todo seu progresso, jamais abandona a sua principal frase: A humanidade fará parte da sexta extinção em massa na Terra. É conhecido que o planeta já enfrentou cinco extinções em massa, e avançando como um trem sem freio, uma sexta extinção é algo inevitável. Faz parte da entropia universal: tudo que começa, se gasta com o tempo e segue para o seu derradeiro fim.

O moto do jogo é evitar que essa extinção ocorra imediatamente. A frase se repete durante todo o enredo: conecte a sociedade novamente, pois uma sociedade unida é mais forte do que uma especie que se isola. Unidos, perseveramos. Essa motivação, esse instinto de sobrevivência é o que o guia durante toda a narrativa de forma subjetiva, sem jamais entender o porquê daquilo. Você só segue adiante, sobrevivendo a cada etapa, enfrentando cada obstáculo e seguindo adiante por uma ideia que é instintiva. Numa escala microscópica, o comportamento das suas próprias células é semelhante. O corpo é uma maquina, onde cada átomo grita pelo ato de viver dia após dia até a sua morte.

Mas, após realizar toda essa odisseia ficcional e futurista, a narrativa lhe joga uma bigorna na cabeça, em alusão aos desenhos antigos:

Parabéns, você chegou ao seu destino.
Independente disso, a extinção da raça humana é algo inevitável

Todos vamos morrer. Não importa qual seja a jornada que você tomar, o caminho que você trilhar, a morte vai te esperar adiante. E não só a sua, mas de todas as pessoas que você amou ou odiou. Tudo vai se extinguir, até mesmo o legado que você busca tanto preservar.

E se tudo isso vai acontecer, a questão que nos resta é: por que lutar pela sobrevivência, sendo que você apenas vive parar morrer um outro dia?

É como caminhar por uma trilha cheia de obstáculos e esforços titânicos para saber que, lá na frente, existe alguém que vai apontar uma arma em sua direção e vai explodir sua cabeça em pequenos pedaços gelatinosos.

Então, por qual motivo cada centímetro do corpo é desenhado para sobreviver até esse final?

...

Durante o jogo, lhe dão uma escolha: você pode simplesmente acompanhar toda a sexta extinção e vê-la acontecendo naquele momento, acabando com tudo, ou pode escolher adiar o inevitável, concedendo mais um respirar para a humanidade.

Instintivamente escolhemos interromper a extinção. Sabemos que é a única certeza que está no nosso caminho. E mesmo assim, escolhemos acordar no dia seguinte.

Por que?
Por que vivemos, mediante a consciência do fim?

Existem diversas respostas para isso. Nos acostumamos a dizer que o que importa não é o final da jornada, mas sim a jornada em si. É um pensamento reconfortante, no qual achamos inspiração para fazer uma jornada que deixe boas imagens e um legado digno, ou mesmo apenas para aproveitarmos o prazer de se estar vivo. Escolhemos a benção da ignorância do fim e falamos que o objetivo da vida é criar um legado e uma história para quando você for, mesmo que no final, tanto sua história quanto seu legado também vão desaparecer na obliteração final, no último estalo de luz.

Para muitos de nós a saída para essa agonia de viver (pois viver é agonizante) são as religiões. As ideias de que a morte não é o fim, mas apenas uma etapa para algo além e eterno que nos espera adiante, após tudo isso.

E por mais desconectado a religiões que eu seja, eu devo admitir que isso é o único pensamento que me conforta. Remova todo os dogmas e pragmatismos das instituições, e a fé em algo superior a tudo isso é o que acaba movendo muitos de nós, seja lá de qual derivação você faça parte. Cristianismo, budismo, xamanismo, umbanda, wicca, todas as vertentes trazem o conforto de que as ações tomadas em vida tem sim algum valor maior que a efemeridade de tudo.

E é difícil crer que nem mesmo uma dessas crenças esteja certa. São miríades de rituais, orações, experiencias pós-vida que nos dão margem para acreditar que realmente pode existir algo após a extinção do universo. Talvez nenhuma destas religiões atuais esteja certa e ainda estejamos no caminho para descobrir o que há do outro lado da cortina (isso pode vir até mesmo através da ciência, em sua busca pelo conhecimento do funcionamento de tudo). Talvez todos estejam certos, e o lugar que lhe espera depois da morte pode ser de acordo com o que você de fato viveu e acreditou. Isso tudo anula o niilismo da vida e faz com que cada um de nós levante e viva o dia da forma melhor e mais justa, de acordo com aquilo que sonhamos em alcançar após a morte.

E enquanto ninguém volta de lá, buscamos respostas por aqui.
E evitamos pensar que, mesmo aquele outro lado, também pode ter um fim.

Mas isso já é conversa para quando morrermos.

Murillo Pocci
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