[RESENHA] Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis


"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas."

É com essa dedicatória direcionada não a algo de sua vida, mas o primeiro degustador da morte, que Machado de Assis, o Bruxo do Velho Cosme, da início ao relato póstumo de Brás Cubas e de suas memórias.

Começamos pelo fim: um homem velho e fraco na cama, em seus últimos dias de vida, derrotado pela ideia venérea de um emplasto que curasse as melancolias da vida. Vemos de início suas dores e seus últimos suspiros para só então sermos levados ao início de sua vida, uma criança do Rio de Janeiro, da abastada família Cubas, tão bem de vida quanto Bentinho, de Dom Casmurro. Conhecemos a vida de Brás e vemos sua evolução, seu amores e seus desalentos com a sociedade carioca da época, influenciada pelos pensamentos advindos do velho continente.

Como uma obra realista que se preze, o adultério logo chega ao encontro de Brás Cubas e de sua história após uma juventude isolada da sociedade. Ao voltar para a cidade e encontrar o amor de sua juventude, Virgília, casada com outro homem (que não demoras em se tornar amigo de nosso protagonista), Brás se envolve em um romance com a jovem, sendo amante secreto em um caso tão guardado quanto os antigos Romeu e Julieta de Shakespeare.

Além dos romances, a vida de Brás é inundada de filosofia e reflexões a frente de sua sociedade. Não só o humanitismo de Quincas Borba, do mal necessário, da ilusão da dor e de que a competitividade e o confronto são naturais ao homem. Brás Cubas é inflado de hipóteses filosóficas sobre a sociedade e sobre o comportamento. O próprio narrador é vítima fatal das reflexões, de seu emplasto que seria a cura de todos.

Mas em seu derradeiro final, compreende-se muito sobre as ideias de Brás Cubas. Talvez, sendo vítima da panaceia que criara, o narrador visse sua morte como solução para o mal e as dores das pessoas ao seu redor, como se sua morte resolvesse as questões complexas das vidas alheias? Em seus últimos momentos, Brás Cubas se diz contente em um último saldo: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."

Seria Brás não um admirador da morte, mas um sofredor da vida? Teria as desavenças e desfortúnios da vida mexido tão forte com sua índole que o transformaram em um pessimista e um profeta da miséria da vida? Machado nos deixa com profundas reflexões sobre a vida e a morte com os relatos deste homem que vê a própria vida pelo outro lado da cortina, pelos bastidores de nossa mortalidade. Brás Cubas não transmitiu a nenhuma criatura o legado de nossa miséria. A miséria da vida, da temporalidade cheia de dores e agonias pela qual passamos até o momento de, nós mesmos, escrevermos nossas memórias póstumas no livro eterno.

Murillo Pocci
Share:

Nenhum comentário:

Postar um comentário