Herói

Eu não entendia muito bem porque eles me chamavam de herói, e ficou mais estranho ainda quando começaram a dizer que eu tinha superpoderes. Aquilo era uma conversa muito estranha de se ouvir, não só por eu ser o assunto, mas também pelo mito que haviam criado ao redor da minha imagem.
   
Os boatos começaram no círculo mais próximo de pessoas, como era de se esperar, mas com o passar do tempo e com a regularidade das situações para as quais me chamavam começando a aumentar, a história foi ganhando maior alcance, e como quem conta um conto aumenta um ponto, logo a história virou notícia na internet, pulou para a televisão e quando eu fui ver surgiram os convites para entrevistas, aos quais recusei todos, pois eram baseados em uma falácia, em um superpoder que me deram e que não existia.

Toda vez que eu entrava em uma sala, subia no beiral de um telhado ou ia socorrer quem quer que fosse onde quer que estivesse eu realizava o mesmo processo, e toda vez torcia para que, ao sair daquela situação, ao ser “salva”, a pessoa falasse a verdade para os telejornais, mas isso nunca acontecia. Elas sempre desenhavam com as palavras, transformando aquele gesto simples em um ato de bravura e impossível de ser executado por outro humano qualquer. As vezes eu fazia algo mais simples, as vezes algo mais complexo, sempre na mesma base, mas era só sair daquela situação que começavam as metáforas e metalinguagens para apresentar minha atitude.
Eu não queria que as pessoas vissem dessa forma. Muito pelo contrário, eu queria que elas entendessem que não havia nada de impossível naquele meu gesto, que o meu “superpoder” era algo que qualquer um podia alcançar. Todos podiam ser super heróis como eu, assim como também me ensinaram o que eu faço.

Mas lá estava eu novamente. Um telhado de um prédio, uma multidão lá embaixo e só eu e mais um homem ai. Ele estava pronto para saltar, com lágrimas nos olhos que escorriam sobre o paletó bege e o deixavam com um tom próximo ao marrom onde as gotas caiam. Ele não reparou na minha chegada, então fui o mais delicado possível, sentando na beirada do prédio e, com uma voz leve e sem assustar, eu disse:

- Olá. Como você está? Eu posso te ajudar?

E isso era meu superpoder. Eu não estou brincando, nem simplificando nada aqui, eu juro. Sempre foi isso, as vezes em forma de textos, outras vezes em gestos como abraços sinceros, ou até mesmo as vezes que eu entrei na sala e não falei nada, apenas estive ali. As pessoas não olhavam mais umas para as outras, elas não se perguntavam mais sobre o que se passava ao lado, mas eu sim. Eu continuei ali, tocado pelas histórias ao redor, sentido pela infelicidade dos outros, e sempre busquei dar a eles o sorriso que eu sempre quis dar a mim mesmo. Esse foi meu superpoder.

Três horas depois eu desci de elevador junto ao homem, com o paletó secando após uma enxurrada de lágrimas. Nas reportagens e entrevistas, ele continuou com os desenhos e metáforas exageradas que fizeram as pessoas acreditarem que eu tinha algum poder sobre as mentes alheias, quando na verdade tudo que eu fiz foi chegar e dizer:

- Olá. Como você está? Eu posso te ajudar?

Murillo Pocci
29/01

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