[RESENHA] Dom Casmurro - Machado de Assis


A pergunta, afinal, é a seguinte: o que Machado de Assis esperava ao escrever está obra?

Admito, como leitor fascinado por clássicos, que demorei demais para ler esse livro. Na época de meu ensino médio, outra obra de Machado foi posta a minha frente, a Memórias Póstumas de Brás Cubas (o qual também farei resenha aqui). Mas pergunto-me se não foi melhor deixar Dom Casmurro para uma época mais madura da minha vida, na qual tive mais contato com tantos temas abordados dentro deste texto.

Porque sim, temos o adultério como tema na obra, mas esse assunto apenas se sobrepõe aos outros no trecho final do livro. Durante seu percurso, muitas questões são questionados por Machado, maquiado como Bentinho.

Começamos pela doutrinação e louvação divina, a qual se submete Dona Glória, mãe de Bentinho, e tantos outros personagens. O texto de Casmurro é carregado de momentos cristãos que envolvem a sociedade brasileira do século XIX. A passagem de bispos e protonotários , o sonho do filho formado no seminário, a importância dos personagens religiosos no texto e as tantas juras de pai-nosso e ave-maria feitas por Bentinho e jamais cumpridas.

Em seguida temos o tema que perpetua por toda a obra e que embeleza o texto com seus "olhos de ressaca": Capitu. Uma das donzelas da literatura brasileira, não idealizada como Iracema, mas mais próxima do realismo de Rita Baiana de O Cortiço: real, mística, oblíqua e perspicaz, Capitu apresenta-se como uma personagem muita mais madura do que Bentinho durante todo o relato, infância, juventude e vida adulta. Tal figura mostra-se apaixonante, mas também com diversas segundas intenções em seus gestos, como seus trejeitos fossem todos meticulosamente calculados. Definitivamente Capitu é uma das figuras mais interessantes não só deste livro, mas também de toda a história da ficção brasileira.

Mas, adiante em nossa resenha, pois esse livro tem outros aspectos. Escobar, por exemplo, exerce um peso importante na vida de Bentinho durante e após o seminário. Mostra-se como outra pessoa de alta influência sobre nosso protagonista, ajudando-o em seus planos de não se tornar padre e futuramente no namoro com Capitu. Durante toda a vida de Bentinho, mostra-se um amigo com um carinho muito próximo e diversas vezes mais amável do que a própria Capitu. Tal carinho fez-me questionar muito sobre os ideias de Bentinho e se ele mesmo não teria se apaixonado por Escobar. Em certos momentos, tal cenário não foi tão ilusório para mim e, caso Capitu não existisse nessa história, certo seria de que Bentinho e Escobar, por si só, seriam um casal. Vamos lembrar que estamos falando sobre uma obra de Machado de Assis, um dos autores mais ácidos da literatura brasileira, senão da mundial. Dentro de sua ficção, independente do contexto histórico, tudo é possível.

Enquanto Bentinho cresce e a história avança para sua parte final, vemos que Dom Casmurro, apesar da idade, jamais deixou de ser a criança cheia de imaginação fértil que conhecemos no começo dessa obra. Durante todos os anos nosso protagonista cria as mais diversas situações em sua mente, indo desde as súplicas ao bispo para não entrar no seminário até a visão do falecido Escobar por cima do semblante de Ezequiel, seu filho (ou filho de Escobar. Tal dúvida pertence a todos nós), passando até mesmo pela morte de sua própria mãe para livrá-lo de seu destino desafeto. Durante a leitura, somos levados pelos devaneios lúcidos de um homem que cresceu abençoado por uma família rica, onde muitas das coisas vieram fáceis e onde seus maiores desafios foram se rebelar contra as dádivas de sua própria vida e se tornar um casmurro, um ser fechado em si mesmo. Jamais saberemos o que foras as verdades e as mentiras contadas por Bentinho em seu relato e creio que nem mesmo o próprio Machado teria as respostas para nossas questões. Talvez todo esse mistério e divagação seja o principal motivo de Dom Casmurro ser um dos clássicos mais importantes da história.

Murillo Pocci
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