[RESENHA] O Cortiço - Aluísio Azevedo (CONTÊM SPOILERS)
Clássicos literários são tesouros nacionais além de seu tempo. Não só projetam em palavras o cenário de uma sociedade e de uma época, como também desafiam a moral e senso comum. São afrontosos, desafiadores, provocam balburdias nos leitores.
E O Cortiço é tudo isso em uma única obra.
No começo da obra esta estrutura se apresenta, e jamais podemos imaginar a evolução deste cortiço humanizado durante o decorrer da história, até sua aristocracia. Simples, humilde, e tão impróprio para vida, o Cortiço da a luz ao seu João Romão, o pacato português que um dia será o senhor daquelas terras. Quase tão importante quanto um protagonista, se não fosse pelo próprio Cortiço, João Romão é o pai de todas as criaturas sobre aquelas terras. Sua figura é a pura concepção do homem puro, posto sob o véu do capital: não sabendo o que fazer com o dinheiro, reserva-o por reservar, até sucumbir aos luxos e tentações da burguesia.
Mas o cortiço não é apenas João Romão. É também Miranda, seu antagonista e futuro parceiro; é Jerônimo e sua conversão ao brasilianismo pela formosa Rita Baiana; é Alexandre e suas dores familiares; são os italianos e seus confrontos contra o cabeça-de-gato; o Cortiço é uma lugar, mas também um ser atemporal, que cerca até hoje as favelas de muitas cidades do Brasil.
E dentro de cada cortiço que temos nossas sub-histórias, diminuídas pela própria narrativa do lugar e pela sociedade. Como por exemplo a história de Pombinha, a jovem inocente à qual a mocidade jamais desce. É nela onde o discurso de Azevedo sobre o cenário da mulher começa, com a agressividade a qual as moças são levadas a puberdade, sobre a imagem da mulher endeusada pelo homem frágil e carente. Mas, no mesmo discurso, o autor também nos apresenta a outra faceta com Piedade e sua filha, vitimas de um machismo seco, insensível e desmedido
O Cortiço nos mostra a invisibilidade da classe baixa. O descuidado com os assassinatos, a falta de educação que, segundo Pombinha, gera o ciclo onde "o cortiço cria uma nova prostituta". O Cortiço nos mostra o homem bom corrompido pela sociedade e por si mesmo. Você se sente sujo ao ler a obra, e sujo deve se sentir, pois O Cortiço apresenta a nós o pior de nossa sociedade. Mas que existia e ainda existe.
Ah, os clássicos e suas eternidades em serem contemporâneos. Leiam, identifiquem e pasmem com o fato de que este livro narra o nascimento de nossas cidades.
Murillo Pocci


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