Profecia III (O Livro de Alegria) - Segunda Parte

Dezembro sempre costuma ser um mês contente com festas, renovações de ciclos, promessas frágeis e comemorações diversas e você pode até considerar minha opinião suspeita devido ao meu signo de sagitário, mas é difícil dizer que Dezembro não é contente quando você conhece Alegria numa festa. Esse era o nome dela, ou pelo menos foi como me disseram que podia chamá-la. Era um pouco maior que eu e já tínhamos nos visto em outras noites, mas sem muito contato.
Era uma festa a fantasia, e Alegria estava vestida de prisioneira e eu de criminoso. Existia aí uma ironia, em uma Alegria aprisionada, pelo menos para mim e que foi se resolver em minha mente apenas na noite seguinte, quando a felicidade plena me comoveu. Porém havia outra coisa em Alegria que não conseguia entender. Sabia que era em seu rosto, mas não conseguia discernir se eram seus olhos, sua boca ou até mesmo o rosa de suas bochechas. Ela me lembrava uma antiga amiga com a qual me divertia muito e que ainda me fazia muito bem sempre que nos encontrávamos. Alegria era familiar… E intrigante.
Não nos vimos muito no decorrer da festa, mas vivi muitos momentos felizes com a chave de minha felicidade e com a flor que vive em meu peito. No passar da noite, fui acometido por uma enxaqueca que era produto de um ofício estressante, e tentei enfrentá-la. Sem êxito, me encontrei deitado na cama casal da festa nas primeiras horas da madrugada. Meu ato pode ter prejudicado muitos casais aquela noite, mas me rendeu muitos momentos prazerosos, apesar das dores de cabeça. Foram momentos nos quais me senti acolhido, momentos que valem mais do que qualquer declaração. Eu poderia descrever uma lista de como tais sensações eram boas, mas não conseguiria descrever claramente o que passava pelo meu coração e sem contar que fugiriamos do momentum deste relato. Fica para um próximo texto. O importante a dizer aqui é que dentre todos estes momentos, Alegria se esgueirou para dentro do cômodo e se acomodou na cama. Ela também estava esgotada da festa, com suas próprias dores e o quarto a esta hora já tinha se tornado na ala hospitalar da festa (a memória de uma anfitriã com planos frustrados não sai da minha cabeça e seu surto ainda me faz rir). Cedemos a um sono revigorante e quando acordei podia ver o quarto iluminado pelos primeiros raios do acaso. Minha flor repousava entre eu e Alegria, e quando ela se levantou e me deixou sozinho com a prisioneira eu consegui entender o que tinha chamado minha atenção na noite anterior.
Alegria sorria. Mas seu sorriso era maior do que ela mesma, ele não se limitava a boca e dentes. Era maior do que seu corpo inteiro. Ele englobava aquela casa inteira e era como se ele pudesse cobrir um mundo inteiro. Foi isso que enxerguei na penumbra, e entendi de onde Alegria era familiar. Era familiar porque tinha escrito e procurado por Alegria desde maio e ela finalmente tinha vindo me visitar. Conversamos como velhos conhecidos que, apesar dos longos anos, continuam próximos. Quando levantamos, fui até minha bolsa, peguei o livro e o entreguei para Alegria. Ela folheou como se as palavras fossem suas e retribuiu meu presente com uma risada e sorriso, os quais guardei em meu coração.

***

Noites atrás tive um sonho no qual um anjo me visitava usando vestes bordô sobre um corpo pálido e asas brancas como marfim. Ele me contou histórias sobre a cidade de prata e sobre ele mesmo. Seus olhos eram cor de salmão e os meus eram de um verde-agua único sobre um tom de castanho escuro. Durante o sonho, conversamos de forma inspirada e, ao acordar, tinha alegria em meu semblante. Me lembrei de um sorriso e de um calor no coração que me deu ânimo para saltar da cama. Tomei um café delicioso acompanhado da minha amada chave naquela manhã, então peguei meu caderno, sentei na minha cadeira favorita no quintal, respirei fundo e comecei a escrever.
Em algum lugar, uma menina sorria, sentindo-se completa novamente.

Murillo Pocci

Share:

Nenhum comentário:

Postar um comentário