[RESENHA] Punk Rock Jesus - Sean Murphy


Como que a revolta se desenvolve durante a vida? Quais aspectos que fazem com que nos enchamos de angústia e raiva contra o sistema? Qual é o resultado de tanta pressão sobre o desenvolvimento de um adolescente?

No futuro, um resquício de DNA é encontrado no Santo Sudário de Cristo, datado de 2000 anos atrás. A partir deste único fragmento, uma cientista realiza a clonagem de todo o DNA de Jesus Cristo e consegue introduzir isso em um óvulo para que o clone seja reproduzido. O acontecimento, nomeado de "A Segunda Vinda" transforma-se em assunto principal da sociedade americana e a mídia decide transformar todo o desenvolvimento do clone de Jesus Cristo em um reality show. Este é o pano de fundo no qual desenrola-se a trama principal da graphic novel Punk Rock Jesus.

Pelas páginas, conhecemos vários envolvidos no projeto: Epstein, a cientista que aceita o desafio da clonagem de Cristo para desenvolver suas pesquisas; Gwen, a segunda Virgem Maria, que carrega o óvulo fertilizado e se torna mãe de Chris. Slate, Tim e outros funcionários da Ophis, emissora que realiza o programa e nossos dois protagonistas: Chris, o clone de Jesus Cristo e Thomas, o chefe de segurança e ex-terrorista do grupo IRA, cheio de arrependimentos e pesos em suas memórias.

No decorrer das seis edições que compõem essa história, conhecemos intimamente cada um desses personagens. Encontramos em Thomas uma história paralela sobre buscar a redenção de seus crimes enquanto membro do IRA. Também nos deparamos com uma Gwen que, após o parto de Cristo, entra em uma profunda depressão que vai segui-la pelos próximos anos e irá retirar tudo dela. Epstein e Slate guardam ambos seus próprios segredos mortais, que os controlam em vários momentos da história. E além de todo o desenvolvimento, todos esses personagens lidam com uma resistência intensa da NCA, movimento que a todo o momento tenta acabar com o programa e com todos os envolvidos.

Durante os anos, Chris sofre muito devido ao peso que carrega por ser o suposto clone de Cristo. Sua educação é moldada de forma religiosa, sua doutrina é rígida e toda a ideia de milagres e premeditações é criada ao seu redor, isolando-o cada vez mais do mundo real, inclusive de sua própria mãe, que sofre tanto quanto ele com tudo isso. Pressão, mentiras e um choque intenso transformam a mente de Chris, que decide revoltar-se com tudo que fizeram com sua vida, buscando conhecimento de fontes não religiosas e "proibidas", ouvindo influências do punk, tornando-se um ser angustiado e cheio de raiva com a sociedade que o criou e transformou sua vida em objeto de consumo e entretenimento de outras pessoas. Nos deparamos, no meio da história, com um outro Chris. Não o clone perfeito, criado pela Ophis, mas o garoto revoltado com as desgraças de sua vida que adota o movimento punk e torna-se vocalista de uma banda do gênero, pronto para abalar todas as estruturas do cristianismo que o aprisionou e tirou dele tantas coisas durante os anos.

A história, apesar de não ter a intenção, acaba sendo bem reflexiva. Aborda muitos temas que são tabus e muitos conceitos que vão contra om status quo da sociedade passiva de servidão de hoje em dia. Apresenta o movimento punk como verdadeira revolta, não apenas como um gênero musical. Nos mostra os extremos de ambos os lados, tanto daqueles que seguem cegamente doutrinas aplicadas a eles e como outros, tão esclarecidos e imunes a isso, não conseguem viver na sombra de ideais tão irracionais e sem lógica. Punk Rock Jesus apresenta como o ser humano é falho e necessitado de uma autocrítica sobre seu próprio comportamento. Nos mostra que existem várias formas de romper o sistema estabelecido, seja à 2000 anos atrás como nos tempos de hoje, a sua própria maneira. Leitura recomendada para entrar na biblioteca daqueles fãs de literatura de confronto que a Vertigo costuma publicar.

Murillo Pocci
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